01/12/2010

Sustentabilidade, a legitimação de um Novo Valor

via Jorge Werthein
Socioeconomia: O mais importante pilar das ciências sociais de nosso tempo afastou a economiada ética e a sociedade da natureza.Um convite à derrubada de equívocos fundamentais

Por Ricardo Abramovay

" Sustentabilidade - A Legitimação de um Novo Valor"
José Eli da Veiga. Senac/ SP. 160 páginas, R$ 35,00

Davilym Dourado

José Eli da Veiga: uma proposta de revisão de conceitos e práticas que negam a essência da sustentabilidade

As duas mais conhecidas definições de sustentabilidade sãoenfaticamente rejeitadas no novo livro de José Eli da Veiga. Não setrata, em primeiro lugar, de "alcançar as necessidades do presente,sem comprometer a capacidade das futuras gerações de alcançar suas próprias necessidades", conforme preconiza o Relatório Bruntland. Tampouco o tema pode ser resolvido pela célebre metáfora do tripé, em que econômico, social e ambiental são analiticamente separadospara se juntarem depois numa espécie de triângulo mítico. Em ambosos casos fica de fora o essencial: sustentabilidade é um valor e, portanto, um convite para que se desfaça o mais importante pilar dasciências sociais de nosso tempo, o que afastou a economia da ética ea sociedade da natureza.

No que se refere à definição de Bruntland, por exemplo, não épossível falar genericamente de necessidades, presentes ou futuras,sem que se discutam os padrões de consumo contemporâneos. Quanto ao tripé, a sustentabilidade não consiste em fazer mais domesmo, mas com um pouco menos de dano ambiental e um poucomais de preocupação social. O que está em jogo é o sentido e o significado, para as sociedades contemporâneas, do objetivo básico em torno do qual se organizam as políticas e os agentes econômicos:o crescimento incessante da produção de bens e serviços e suamedida consagrada, o PIB.

Estudar a sustentabilidade como um valor não retira em nada o alcance científico do uso desse termo. O primeiro capítulo do livro apresenta de forma didática as vertentes fundamentais dopensamento econômico voltado ao tema, sempre com base em exemplos concretos. Por mais que o progresso técnico (juntamentecom a mobilização social, é claro) tenha contribuído para reduzir a insustentabilidade de alguns dos mais importantes processos produtivos atuais, a verdade é que o consumo de materiais, de energia e as emissões de gases de efeito estufa não cessa deaumentar: os ganhos de eficiência foram globalmente mais que contra balançados pela elevação espetacular do consumo. Assim, mesmo que não seja possível definir de forma clara e distinta asustentabilidade, é possível dizer que a trajetória atual dassociedades humanas é insustentável.

O segundo capítulo oferece o panorama da agonia da era fóssil. É equivocado o raciocínio tão frequente de que as soluções tecnológicas para superá-la estão disponíveis e que só falta vontade política para que sejam aplicadas. Da mesma forma, a ideia correntede que as emissões de gases de efeito estufa originam-se nos países ricos e que estes convivem cinicamente com seus resultados, jogando o prejuízo nas costas dos pobres, por meio de políticas protecionistas, é totalmente míope. A participação dos países desenvolvidos nas emissões despencou de 85% do total em 1990 para44% em 2004. E deve ir para um terço em 2012. Isso decorre de umfator virtuoso, que é o progresso tecnológico. Mas deve-se também aofato de que indústrias e atividades intensivas em carbono foram transferidas para nações emergentes, como China, Índia, África do Sul e Brasil.

As negociações internacionais em torno da transição para uma sociedade de baixo carbono mostram-se pateticamente incapazes depromover avanços. Mas isso não significa paralisia. Dois fatores são essenciais nesse processo, como se lê no terceiro capítulo do livro. Por um lado, a dependência de energias fósseis cria um problema desegurança nacional para os países mais poderosos do mundo, acomeçar pelos Estados Unidos e China. Além disso, pode-se dizer que a fronteira tecnológica e científica da inovação produtiva contemporânea é movida em grande parte pela urgência da descarbonização da vida econômica. Isso cria uma espécie de nova agenda da cooperação internacional, que vai além da transferência de tecnologia e supõe uma verdadeira partilha dos conhecimentos necessários a que sejam melhoradas as técnicas produtivas e as capacidades de preservação dos serviços essenciais dos ecossistemas.

Mas nada disso poderá ser levado adiante se as sociedades permanecerem dominadas pelo mito de que o crescimento é afinalidade essencial da própria vida econômica. É o que se discute no quarto capítulo do livro. Nesse sentido, não é apenas asustentabilidade que é um valor: quando Amartya Sen define odesenvolvimento como o processo permanente de ampliação dasliberdades substantivas dos seres humanos, ele promove uma espéciede revolução copernicana. A riqueza deixa de ser uma finalidade econverte-se num meio cujos fins só podem ser alcançados por discussões democráticas de natureza ética e política.

Sustentabilidade não é continuar cultivando a produção pela produção, só que de forma esverdeada. É, antes de tudo, submeter, por meio do debate público, inspirado por valores, a vida econômicaàs necessidades sociais e reconhecer os limites dos ecossistemas. A boa notícia é que não se trata apenas de uma discussão filosófica e, sim, da posição explicitamente assumida por parcela cada vez mais expressiva do próprio "mainstream" da ciência econômica. Ricardo Abramovay é professor titular do departamento de economia da FEA, coordenador de seu núcleo de economia socioambiental, orientador do Instituto de Relações Internacionais da USP e pesquisador do CNPq e da Fapesp.

Valor

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